terça-feira, 15 de dezembro de 2009

AmBev



O "gene Brahma" explica
o estilo AmBev



Desde a sua fundação há oito anos, a diretoria da Companhia de Bebidas das Américas (AmBev) buscando superar-se, aprimora dia-a-dia não só a sua condição de péssimos empregadores como os paradigmas da prepotência, do cinismo e da carência de ética. Agora chegou a vez do Peru. Vejamos os fatos mais relevantes desta nada edificante história.


AmBev nasceu em 1999, como resultado da fusão das brasileiras Brahma e Antarctica, fabricantes de refrigerantes e de cervejas. Mais do que uma fusão, a Brahma absorveu a sua antiga concorrente que há tempos vinha passando por problemas. Simultaneamente, ocorreu um escândalo provocado pela suspeita de que tinha havido vazamento antecipado de informações sobre a fusão, inconfidência esta que teria beneficiado três grandes acionistas. A gravidade do caso fez com que a Comissão de Valores Imobiliários interviesse e que, três anos após o início da investigação, esta fosse encerrada com os envolvidos pagando o equivalente a 115 mil dólares e se comprometendo a publicar, sob o patrocínio da AmBev, um manual de boas práticas corporativas.

De acordo com a experiência dos sindicatos brasileiros, era relativamente fácil negociar com a Antarctica, enquanto que com a Brahma a negociação se convertia em um diálogo frustrante: “ela não se negava a negociar, mas nunca resolvia nem cedia em nada” afirmam os companheiros. Após a fusão, a AmBev herdou o maligno gene da Brahma que, entre outras coisas, afeta negativamente a política de relações trabalhistas.

A AmBev continuou crescendo e se expandindo pela América Latina e, na medida em que se desenvolvia, ia fechando as fábricas e despedindo trabalhadores. Até que, em 2004, se funde com a belga Interbrew, dando nascimento à InBev, a maior fabricante mundial de cervejas. E novamente os mesmos três acionistas de 1999 aparecem envolvidos em manobras não muito claras, visando o benefício próprio, e prejudicando os acionistas minoritários em aproximadamente 448 milhões de dólares. Em 20 meses, o gene da Brahma havia convertido aquele manual de boas práticas corporativas em letra morta.

O acordo entre a AmBev e a Interbrew visando a criação da InBev foi complexo, mas finalmente a belga ficou com o controle da nova companhia. Apesar disso, o gene da Brahma e o estilo AmBev de demissões, fechamento de fábricas, desconhecimento dos sindicatos e violação dos acordos contaminou a nova companhia e rapidamente atingiu os sindicatos europeus, incluindo os belgas.

Em maio de 2003, a AmBev entrou no Peru como Companhia AmBev-Peru através de uma fábrica de refrigerantes. Em 2005, inaugura com a presença do embaixador do Brasil –misturando, como tanto lhe agrada, patriotismo com negócios - sua fábrica de cerveja na zona industrial de Huachipa com capacidade para produzir um milhão de hectolitros de cerveja por ano e lança no mercado a cerveja Brahma, que atualmente absorve mais de 18% do mercado de Lima.

Em março do ano passado, o Grupo Romero -conglomerado peruano que inclui o Banco de Crédito e investimentos nos setores de alimentos e logística, além de 30.000 hectares de palma africana nos quais foi derrubado o bosque tropical autóctone- adquiriu 25% do capital da AmBev-Peru. Um comunicado da companhia se encarregou de informar que esta operação “permitirá que a AmBev conte com o know-how de um sócio estratégico local fortalecendo assim as operações no Peru”. Entretanto, como veremos mais adiante, este “saber fazer” dos sócios locais, não será considerado no momento de negociar com o sindicato.

O período entre os dias 1º e 31 de agosto de 2006 foi destinado às inscrições para o Trainee AmBev 2007. Este Programa para jovens profissionais inclui todas as sucursais da AmBev e começou em 1990. Em 2005, 17 mil brasileiros e 4 mil jovens de outros países da América Latina se inscreveram para serem selecionados. Em 2004, 9.500 peruanos se inscreveram no Programa, dos quais somente quatro foram selecionados. Os selecionados, depois de cinco meses de treinamento no Brasil, assumem uma função específica na companhia, seja ela no Peru ou em outro país.

O treinamento no Brasil se realiza na já tristemente célebre Universidade AmBev, responsável por transmitir a cultura da Companhia, a qual, de acordo com sua página Web, está focalizada nos “resultados e na meritocracia”. Vejamos somente um exemplo do que é ensinado lá. Em dezembro passado, o Tribunal Superior do Trabalho do Brasil -máxima instância da justiça do trabalho - estabeleceu que um trabalhador da AmBev submetido diariamente a humilhações e maus tratos devia receber uma indenização de 70 mil reais (aproximadamente 33 mil dólares). O trabalhador tinha entrado na companhia em 1998, na função de auxiliar de promoção de vendas e supervisor de comunicação, sendo despedido em 2004. Em sua denúncia, o trabalhador narra que todos os dias os empregados eram avaliados em duas reuniões -denominadas motivacionais no jargão da empresa - uma matinal e outra vespertina. Esta segunda reunião era destinada à aplicação de castigos em quem não alcançava as metas. Os castigos consistiam em realizar flexões, agachamentos e outros exercícios até o esgotamento. O denunciante chegou a se ver obrigado a realizar flexões com o chefe pisando nas suas costas. Outro dos castigos consistia em que os empregados sancionados fossem fotografados com prêmios em forma de excrementos humanos e a foto era exibida no mural da empresa durante um mês. Em suas alegações diante do Tribunal -influenciada pelo gene Brahma- a AmBev argumentou que “o valor da indenização se encontrava acima dos limites da racionalidade e da proporcionalidade”, como se os abusos a que submetia seus empregados fossem racionais e proporcionais.

A AmBev-Peru acaba de iniciar -com um importante investimento econômico- sua campanha de verão 2007 denominada “Tú mismo eres”, visando promover a nova cerveja Brahma Beat. A propaganda destaca uma maior graduação alcoólica (5,2%) violando o que estabelece o Código de Comunicações Comerciais da matriz InBev -obrigatório para todas as filiais- que proíbe sejam exibidas nas campanhas publicitárias quaisquer referências ao grau alcoólico das suas marcas, mas já sabemos que no gene Brahma não há nenhum código inibidor.

Apesar disso tudo, no dia 07 de maio do ano passado, os trabalhadores da AmBev-Peru constituíram o Sindicato Único da Companhia Cervejeira AmBev-Peru S.A.C. (SUTAMBEV) e, desde o primeiro momento de sua fundação, a empresa começou a hostilizar os trabalhadores procurando desestabilizar o sindicato. Em julho, de acordo com a legislação vigente, o sindicato apresentou uma pauta de reivindicações a fim de chegar a um acordo referente a um convênio coletivo para o período 2006/2007. Como é característico do gene Brahma, a empresa assumiu a postura de ignorar o sindicato e suas reivindicações, motivando uma paralisação de 48 horas, nos dias 14 e 15 de novembro.

Finalmente, em 11 de janeiro de 2007, o sindicato, a empresa e um representante da AmBev Brasil se reuniram para discutir a pauta de reivindicações, especialmente no tocante aos salários. A empresa ofereceu um aumento de três por cento (3%) nos salários e um abono de 500 soles (156,64 dólares) pelo encerramento das reivindicações. O sindicato propôs um abono de 3.000 soles, a ser pago em janeiro e junho. A empresa realizou uma contra-oferta de 1.000 soles e, finalmente, sua última proposta foi um abono de 1.400 soles a ser pago em fevereiro e outubro, com uma vigência de dois anos para o convênio coletivo. Em face disso, a delegação sindical levantou-se da reunião. O representante da AmBev voltou ao Brasil, de onde enviou um ultimato ao sindicato reiterando a última oferta, advertindo que, no caso desta não ser aceita, eles se veriam obrigados a fechar a empresa. Poucas horas mais tarde, a diretoria da AmBev-Peru comunicou ao sindicato que, se quisessem conservar seus postos de trabalho, deveriam atuar de acordo com a empresa, já que esta não conta com um orçamento suficiente para fazer frente às demandas dos trabalhadores, existindo a possibilidade da fábrica ser fechada.

É lógico que o gene Brahma pode ser combatido e ser modificada a sua influência na conduta empresarial. Os sindicatos já entenderam que os instrumentos idôneos para essa tarefa são a unidade e a organização, por isso é que as organizações sindicais filiadas à UITA acabam de constituir a Federação Latino-Americana de Trabalhadores da AmBev e, em que pese o SUTAMBEV ainda não ser filiado à UITA, seu caso está sendo assumido pela Federação.

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